Questões Urbanas

Há tempos tenho baseado meus textos na discussão das cidades. Não fiz um levantamento, mas, de lembrança, parece que tenho focado mais nas questões urbanas. Não é uma coisa tão pensada assim em termos de maior ou menor destaque a algum tema, mas com certeza vai de encontro ao propósito do debate entre a valorização do edifício isolado em oposição ao desenho urbano.

Estamos em uma época de extrema valorização de formas midiáticas, que alcançam exposições espetaculares, que impressionam pelas condições mais de surpresa do que pelo caráter de originalidade. E mais, transformam seus criadores em estrelas de magnitude, ouso dizer, maior que suas obras. Não quero contestar aqui o merecimento ou não de tais reconhecimentos, mais principalmente da falsa ideia da necessidade de “obras fantásticas” para revitalizar ou referenciar espaços urbanos.

E as cidades vão se ajustando, se transformando, com desequilíbrio, com incongruências, com imposições, onde contrastes se acentuam, onde cenários mascaram ou escondem problemas estruturais que merecem maiores cuidados. Em parte, acredito, porque aqueles que se propõem ao debate se perdem em discursos vazios, antagônicos, ideologicamente arcaicos, ficando em segundo plano, ou por incompetência, ou por desconhecimento, ou por arrogância, as questões técnicas e, ou, uma visão mais ampla e prática do funcionamento da urbe.

O estudo das densidades, dos parâmetros urbanísticos tais como taxa de ocupação e taxas de impermeabilidade, dos usos e ocupação do solo, são fundamentais para temas como a mobilidade urbana, a interação social, e a otimização de infraestruturas. Da mesma forma, e com a mesma importância, é o repensar a cidade pela criação de vias de articulação e do trato da expansão urbana, considerando e atendendo aos conceitos atuais de cidades mais compactas. Não há como deixar de dar importância a estes temas, mas o estudo da cidade exige mais que isso.

“Em cidades economicamente desenvolvidas, em geral, a negligência é devida a ideologias de planejamento, rápida motorização e dificuldades na passagem de um modelo em que a vida nas cidades era parte óbvia da tradição, para um modelo onde a vida necessita da sustentação ativa de um atento planejamento. Nas cidades de crescimento acelerado, em países emergentes, o crescimento da população, o florescimento de oportunidades econômicas e o aumento explosivo do tráfego criaram problemas monumentais nas ruas”.

O texto acima é de Jan Ghel, arquiteto dinamarquês e autor da obra “Cidades Para Pessoas”. E ele continua:

“Enquanto o descuido quase extinguiu a vida urbana em alguns países desenvolvidos, a pressão de empreendimentos empurrou para as mais adversas condições em muitos países com economias menos desenvolvidas. Nos dois casos, tornar viável a vida na cidade exigirá um cuidadoso trabalho com as condições para as pessoas caminharem, pedalarem e utilizarem o espaço público urbano”.

Sim, o planejamento e a discussão das cidades merecem e requerem um cuidadoso trabalho. Trabalho que também requer multidisciplinaridade, e mais que isso, uma interdisciplinaridade, onde não só se visualize a existência de várias disciplinas, mas que principalmente aconteça uma discussão e interação sincronizada das mesmas. Planejar a cidade é tarefa coletiva e, como ensina Gehl, deve partir da compreensão e valorização da dimensão humana.

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